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(…)
Mozart fica bem no meu peito lacrimoso, vou a enterrar, escrevo um verso sem sentido, sentido, penso na geometria absurda dos meus telhados infantis, saudades do vento, sou arquitecto de um abismo que não domino, solteiro de novo. e não sei o que faço sábado à tarde. estou perdido, lanço-me ao rio. é a ana a paula a helena, estou magro aos pedaços aos saltos, devoro os jornais, descasco laranjas, amargo-me. pronto, ele aí está. um divórcio delgado preso por fitas de cetim, tu ficas com os móveis eu levo os discos tu guardas o sorriso eu aparo o corpo, levo a carne, deixo-te o verbo, liberto-te de nós. prendi a sombra.
perdi o passado, sou um fogo sem lume. e ardo. despojada.

Isabel Mendes Ferreira ,In “As Lágrimas Estão Todas Na Garganta do Mar”



(…)
sofro de insónias

quando céptica me  abandono ao abraço do
vagamundo da prostituta ou do marginal que  se
lançam
sem medo ante o abismo
deslizando por camadas de afectos sem nomes e
sem idades
detenho-me na ponta da lança presa ao arame
onde as minhas mãos se rasgam e
entre o silêncio da montanha ou o rugido do mar
re.aprendo o eco a fome e a velhez
que deslizam mui perto de mim
cobertos pela patina do tempo

decido-me pela náusea

porque no resquício fracturante de mim
sou um consumido resto de gente enquanto
os mutantes se re.vêem ao arrepio do sagrado

lucíferos ousam-se os poetas à revelia

-Gabriela Rocha Martins ,In “Poesia no Feminino”






epígrafe









mareja o cansaço nas pálpebras
                              pousadas sobre a cama
como se fossem pássaros
                             prescritos pelo acaso











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lucio ranucci







as deambulações férvidas das sinopses


[ ao re.tardar a escrita ]









o sexo dos anjos







laura makabresku







a agora? agora volto ao encontro da verdade .sem máscaras .à boca de cena um único personagem .o poeta que ensaia como último gesto
um toque de violino

( e depois admirem-se se aparecer vestida de Valquíria  … )






no lugar de antanho







laura makabresku







gosto-te no des.fazer da metáfora .no lembrar não lembrando porque te esqueço no momento seguinte .o teu nome vagueia átono e o meu útero (con)sente o esvoaçar da ave que me traz a exortação de todos os pecados .recorro ao lugar de antanho .visto-me de versos e estendo-te a mão como suporte de passagens inventadas pelos deuses enquanto o vinho que escorre quente sufraga a vontade das feras .somos nós .rasgados sobre a cama onde lúcidos e loucos asfixiamos os sentidos
como predadores que somos






até quando?







laura makabresku







digo-te até logo ou até amanhã?
depende do tempo que levar a descalçar os sapatos





tardo no viciar do verso







laura makabresku







chegam de longe os barcos .trazem novas de meu amigo
e eu
na margem e em fim de linha avulto o anzol que me tem presa ao viciar do verso






monólogos de tardanças







laura makabresku







somos assim .viajantes perdidos em rios de partida e riachos de chegada .vadios de horizontes largos ombreados com o silêncio .adormecidos na cavidade lunar havemos o riso como vazante e a lágrima como cama .inscrevemos monólogos de tardanças e voltamos ao porto sempre que a maré nos reclamar um a-braço .somos navegantes de sussurros avessados na ausência dos ecos
antes de como amantes fundearmos no re.verso das marés de fogo






no lugar dos amantes proibidos







laura makabresku







é no lugar dos amantes que as aves deixam rastos em lugar de ninhos .assumem-se como des.construções e na dissonância equitativa de uma perda concebida em nenhures viciam odes e poemas embebidos no fresco dionisíaco dos passos perdidos .têm-se na geometria quântica de um rio cujo destino jamais será o mar .antes a lonjura (con)sentida de um a-mar o desmedro como exortação proibida
dos lábios suspensos pelo beijo






tão efémero quanto supra







laura makabresku







estou morto .repetes todos os dias à mesma hora na ousadia de um passado de amantes devolvidos à ascese pendular dos silêncios .sabes-te em corpo nu como supra-memória de um efémero eco .fechas os olhos .estendes as mãos .penduras a roupa na cabeça de um fósforo e como ressonância de um Ser-em transformação aventuras-te ao encontro de uma nova síntese dissonante
na certeza de um texto placentário que te tem como antítese






um masculino remetido ao feminino







laura makabresku







não inventes conflitos nem tragédias nas quais és mestre .o olhar da serpente persegue-te qual andarilho .fruto do pecado num novo amamentar o demo corróis o excelente em vertigens e farsas .apoderas-te do visgo como passaporte para a imortalidade e vergado na memória do nunca concebes-te alinhado em vitrais de vidro fosco .só tu
re.vestido
ousas-te um garbo desígnio em falso ouro






auto-flagelo







laura makabresku







sem esgares de espanto ou searas de renúncia o vento sopra-te nos cabelos quando recolhes as palavras que te envolvem o corpo .escamas ou ressonâncias de outros tempos a conceber a verve arrastam-te a provocar as Fúrias pendurado nas palavras angulares das marés que te são lugar de morte ou
envenenado em sílabas e sílabas de puro êxtase






em ruinosa maturação







laura makabresku







nos recessos envenenados de um Ser-em ruinosa maturação
devolverei ao futuro
a efeméride paralisante de um presente onde os fantasmas senhores dos caminhos proibidos trocam a excelência pela ausência pendular dos signos






suspensa nos braços de Leviatã







laura makabresku







há na presença alquímica das trevas momentos de clausura tão ávidos de excessos que mais-quero a viuvez de um concerto para violino em ré maior de Tchaikovksy ou as cicatrizes marmóreas deixadas no meu corpo por um Vergílio por uma Fiama uma Yourcenar ou um Kafka .quedo-me na matriz e no visco da insurrecção afogo-me nas voltas de um estar suspenso
aconchegada ao a-braço de Leviatã






tendo de preferência os passos dos amantes







laura makabresku







precedo-me entre os passos dos amantes e a embriaguez da fuga
.tranço o tempo dos enfados como sinal de trânsito






depois de lavar as mãos







laura makabresku







agora é tarde para envolvências e re.conhecimentos precoces .lavei as mãos e coloquei sobre o colo uma maré cheia de nostalgias que deixara penduradas ao pescoço .junto aos pés cartas e cartas gravadas sem destinatário .a maior parte sem remetente .retirei-lhes os selos numa combinação de recados grávidos de falsetes .demorei a voz e iniciei
uma litania fruto de acasos breves






despedida com sabor a laranja doce







laura makabresku







seguro-te como um gomo de laranja entre os meus dedos .demoro-o numa extrânea despedida .enrolo-o na língua uma duas três vezes antes de  degluti-lo .sinto-o deslizar pela garganta onde demora antes de percorrer o resto do meu corpo .devagar mente as curvas que o antecedem são
margens de um amor em fuga
.fazem-me falta as palavras para te apagar






enganos meus







laura makabresku







é no silêncio hedonista da noite que a tua pele se rasga em murmúrios reptilíneos
.esboços viúvos em duelos de lábios mais ousados






resposta em forma de flor







laura makabresku







sei do caminho .não sei do tempo nem dos pontos cardeais
recolho à floração dos teus olhos-fonte






alta-voltagem







laura makabresku







perco-me na ilusão do sim .o não perturba-me
.na rotação de mim acervo-me na espera
.não adoeço





movimento anterior ao não







laura makabresku







declino sobre a página a cabeça do pássaro azul .deixo a minha mão repousar-lhe sobre o bico .abro-o e afino o chilreio nas frustrações legadas ao sabor da ausência .há um paralelo entre aquela e a presença que anuncia a minha morte no esquife de uma outra língua .de um outro poema que ousa tomar o meu lugar .sei-me muito aquém de um Ser-espera .de um coágulo de voz outra
aspirante ao movimento anterior ao não






o a-deus mais logo







laura makabresku







amanhã quando voltar a anunciar o re.começo dos dias átonos não sei se morrerei na dúvida perene das palavras debitadas ao acaso .outrora sim .houve mapas abandonados sobre os murmúrios e falas espargidas ao sabor de falsas muralhas rasgadas pela subtileza do não .o tempo foi de lonjuras enquanto sobre a mesa o cálice a.guardava a tardança das noites brancas
eu dançava no meio do silêncio .tu refazias um outro movimento anterior à voz
quando por fim o poema se sentou ao nosso lado deixámos prevalecer as sombras
na curva lasciva de um a-deus mais logo






encontros fora de horas .não de lugares nem de tempos







laura makabresku







preservo o modo .desespero a face no recolhimento não (con)sentido do beijo que tardou .não aconteceu o encontro dos rostos tão perto .a delicadeza prevaleceu sobre o branco magoado de um outro tempo despido de saudade mas revestido de ausências redentoras
na rotação dos dias e das horas houve tempo para reservar um lugar ao futuro






no absurdo da dúvida







laura makabresku







amanhã quando os restos dos meus olhos reservarem em imagens as pessoas que me aguardam talvez possa encapotar uma outra forma de a-mar .des.mentirei o absurdo reservando-me na água gelada do silêncio a fim de preservar em imagens dúplices todos os que se acolhem na quietude do outro e afinarei a mentira de me saber varrida no anonimato das esperas cautelares






reconheço que morri







laura makabresku







envenenei-me de palavras no dia em que morri .fechei as mãos e cuspi para os dedos circunspecta num olhar o círculo mágico que os meus pés traçavam no horizonte .deslizei .aguardava-me um outro modo de magoar as margens quando as folhas oscilaram entre a saudade e o declínio da adultez
talvez a minha morte se revestisse de parênteses como
uma forma cúmplice de completar o genocídio do verbo






o regressar à palavra assim-assim







laura makabresku







no re.presar as minhas palavras virgens vivo tal-qualmente vertigem no desarrumo do Caos .e do factótum absorvo a re.curva mistificada
dos espelhos convexos






a engrenagem do gesto vário







laura makabresku







se no recesso do teu corpo adivinho o medo restauro no en tarde’Serde todas as manhãs o Caos vertigem de um arrumar a vida entre a vacuidade do volúvel e a mecânica do plausível
.a ordem serve-se passajada na engrenagem promíscua da pausa






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II - ou talvez &m recessos e pautas ...










no tempo do não-tempo







laura makabresku







agora posso falar-vos do não tempo na argúcia de um tutelar a face em que demoro a tentação .engulo-a sem mastigar num traço rasgado onde o gesto do teu braço asfixia a beleza do movimento
.garça






Ser-em omissão







laura makabresku







fosse o tempo senhor de outros abandonos ter-me-ia presa ao rastilho de um Ser-mortalha .símbolo do alaúde cujo toque plange o depurar de sons revisto o corpo na agonia de um férvido carpir .asfixio-me na promessa do não-Ser
para regressar ao segredo de um outro lavourar onde não me permito






re.conhecimento







laura makabresku







faço do silêncio passagem tutelar ao ventre apenas vislumbre dum sossegar os olhos sobre o símbolo da mortalidade
.abandono-me em palavras largas ciosa de não compromissos






porque há perguntas que não vale a pena fazer







laura makabresku







se me for permitida a não resposta ao que escrevo e porque escrevo 
lego ao en tarde’Ser as minhas falácias escreventes






adjectivando até ao absurdo







laura makabresku







após os talantes abre-se no côncavo do mar uma passagem ao desvario .exímia a maneira de se esgueirar o silêncio na promiscuidade de quem se tem aquém naufrágio .um gosto álgido a salmoura subverte a conversa dos peixes ávidos de naufrágios .esgarçam a transgressão a todos os animais que se afoitam a mergulhos mais profundos num ensaio omnipresente ao Verão
cuja sombra se prolonga vestido de vermelho-sangue






ilusões à parte







laura makabresku







é na alegoria de um turbilhão de excessos que passo a mão sobre as sombras .deixo-as quietar devagar mente antes de re.encaminhá-las ao encontro epifânico da ausência .sirvo-as em baguetes de poentes ou pacifico-as num ensaio equidistante à loucura .não me iludo .não reconheço o significado da lavoura onde rascunho palavras sobre o modo de esculpir o momento exacto em que se fecha a porta
ao tempo de fiandar os beijos






talvez amanhã haja um outro a manhe’Ser







laura makabresku







penso num país vergado e oficio um tempo-novo de olhar o perto sem contra-luzes a fazer de conta






rezam dos prémios histórias singulares







laura makabresku







hoje apetece-me enclausurar o universo dos signos e nele estruturar-me num acto fático de contrição .que ninguém por zombaria ou em minha defesa legitimária se lembre de sondar-me em metáforas e metonímias
.sofro de afasia primária