.2







É Virtude Dissimular a Virtude

(…)
A dissimulação não é uma fraude. É uma indústria de não mostrar as coisas como são. E é indústria difícil: para nela ser excelente é preciso que os outros não reconheçam a nossa excelência. Se alguém ficasse célebre pela sua capacidade de camuflar-se, como os actores, todos saberiam que ele não é o que finge ser. Mas dos excelentes dissimuladores, que existiram e existem, não se tem notícia alguma.
- E notai - acrescentou o senhor de Salazar -, que convidando a dissimular não vos convidamos a permanecer mudo como um parvo. Pelo contrário. Deveis aprender a fazer com a palavra arguta o que não podeis fazer com a palavra aberta; a mover-vos num mundo que privilegia a aparência, com todos os desembaraços da eloquência, a ser tecelão de palavras de seda. Se as flechas perfuram o corpo, as palavras podem trespassar a alma.

Umberto Eco, in 'A Ilha do Dia Antes'

*

na confusão das fontes

laço des.faço e traço o fio com que Penélope
na confusão pusilâme do Ser se apraz
em a-braço para na clássica quietude da
tarde quedar-se atenta à vigilância dos que
ainda hão-de chegar

um rodopio doce é o elo
entre mim e a evidência do
ante-Ser que se esfuma no mistério da criação

tudo o que des.faço e traço é apenas o
alimento exaurido pelo sangue novo
quando lúcida me deixo escorrer entre a 
a noite e os versos golpeados pela tesoura
aberta na Ausência

sorvo o silêncio e tenho sede

Gabriela Rocha Martins ,in “timoratos balastros”
(… “num com.passo de cor que já foi canto” …) ,1981-2005