2.







(…)
Mozart fica bem no meu peito lacrimoso, vou a enterrar, escrevo um verso sem sentido, sentido, penso na geometria absurda dos meus telhados infantis, saudades do vento, sou arquitecto de um abismo que não domino, solteiro de novo. e não sei o que faço sábado à tarde. estou perdido, lanço-me ao rio. é a ana a paula a helena, estou magro aos pedaços aos saltos, devoro os jornais, descasco laranjas, amargo-me. pronto, ele aí está. um divórcio delgado preso por fitas de cetim, tu ficas com os móveis eu levo os discos tu guardas o sorriso eu aparo o corpo, levo a carne, deixo-te o verbo, liberto-te de nós. prendi a sombra.
perdi o passado, sou um fogo sem lume. e ardo. despojada.

Isabel Mendes Ferreira ,in “As Lágrimas Estão Todas Na Garganta do Mar”



(…)
sofro de insónias
quando céptica me  abandono ao abraço do
vagamundo da prostituta ou do marginal que  se
lançam
sem medo ante o abismo
deslizando por camadas de afectos sem nomes e
sem idades
detenho-me na ponta da lança presa ao arame
onde as minhas mãos se rasgam e
entre o silêncio da montanha ou o rugido do mar
re.aprendo o eco a fome e a velhez
que deslizam mui perto de mim
cobertos pela patina do tempo

decido-me pela náusea

porque no resquício fracturante de mim
sou um consumido resto de gente enquanto
os mutantes se re.vêem ao arrepio do sagrado

lucíferos ousam-se os poetas à revelia

-Gabriela Rocha Martins ,in “Poesia no Feminino”