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(…)
Entre o princípio e o fim vem corroer
as vísceras, que ocultamos como a Terra.
Trilam os lábios nossos, à semelhança
das musicais manhãs dos pássaros.
Mesmo os ouvidos cantam até à noite
ouvindo o amor de cada dia.
A pele escorre pelo corpo, com o seu correr
de água, e as lágrimas da angústia
são estridentes quando buscam o eco.
Mas nós sentimos dentro do coração que somos
filhos dilectos do tempo e que, se hoje amamos,
foi depois de termos amado ontem.
O tempo é silencioso e enigmático
imerso no denso calor do ventre.
Guardado no silêncio mais espesso,
o tempo faz e desfaz a vida.


Fiama Hasse Pais Brandão
in Cenas Vivas

.

há um calor subterrâneo que
modela os meus gestos como
um cavalo
cujos antolhos só lhe permitem
galopar o comprimento da liça
.resto-me
- num silêncio de água -
cega para o mundo
numa visão estreita e divergente
.o céu é negro
.não há vislumbre de aves na
planura do deserto
.assinto as linhas rectas e
convoco os vultos dos túmulos
faraónicos para um encontro
im.perecível
.chove a luz branca da lua enquanto
no pórtico dos afectos
a erosão é o limite .a passagem
um campo aberto à memória
onde
sem remorsos
ardo sob(re) os fios do vento


Gabriela Rocha Martins
in .anamneses.